quarta-feira, 30 de março de 2011

Nós mesmos

Não me apetece nada... agarrei-me ao lápis e pesquisei-me... redijo e apago, rescrevo o que não quer sair... penso e encolho-me em mim mesmo... desato-me e ecoo-me aos cantos deste quarto, cada vez mais pequeno... evado-me pela janela escura... o dia já se foi e a esperança... essa nunca existiu, só mais um dia em que não cresço, mais um sentimento arrumado nas prateleiras que hei-de ter... apago-me e restruturo-me.
Levo-me a mal e entristeço-me, agarrado à cadeira pesquiso-me ainda na esperança de não desfalecer de medo... medo de repensar a minha vida... quero acreditar no futuro... naquele que desconheço, que não quero pensar... parco de ideias, mudo-me e refaço-me... sem perceber sou diferente, mais novo e velho, mais triste e simples... um complexo de felicidades atrozes e acalmias remexidas em sonhos distorcidos... o senhor de quem se fala já cá não anda... rescreve-se por aí... e por magia o papel conta mais de mim... o lápis canta-me uma canção que já não me lembrava e sujo-me em lágrimas invisíveis... insensível, sigo rumo ao polar das estrelas do mundo, imagino-me diferente dos iguais pensadores... cheiro-me no meu mundo de contradições... uma sinestesia de etiquetas quebradas e jogos perdidos...
Vem fazer de conta que já morri e que ressuscitei... vem fazer de conta que acreditas em mim e o mundo não é mais que uma esfera parada que gira quadrada em torno de mim, em torno de um eclipse que nunca existiu... que a vida não é mais que um jogo que acabamos sempre por perder... vem jogar ao faz de conta... perde comigo este jogo... sente o perfume de um trabalho desfeito... sente a poeira assentar nos ramos de uma nova ramagem... deixa o fumo apagar as marcas dos destinos criados... cresce comigo e aprende-me, junta-te a mim... baixa a luz e vem esquecer o futuro... carrega-te em mil passados...
Deseja-o para ti, cria-o em mim e exterioriza-o connosco.

domingo, 27 de março de 2011

Naufrágio

Com o encanto do mar, desvanecido na alva espuma que se reencontrava periodicamente em seus pés desprezados de cor… enterrados no vasto areal, cobertos por cores de inverno… entristecido ao frio, o mar enrolava-a mais um pouco em seus caprichos moribundos… seco e calmo atravessava sei lá de onde para a encontrar, ali, esperando o regresso do meu sonho, da sua casquinha de noz… o seu salva vidas. Debruçada sobre o azul, enfrentava aquele solzinho invernal, uma luz que não queria aquecer o seu frágil coração… perdida na praia suportava cada onde como se fosse a primeira… confundia-se no gélido oceano as lágrimas da partida…
O vestido primaveril deixa-a a descoberto, entregue à intempérie que se aproximava… relampejantes segredos brotavam das vindouras nuvens, a uma velocidade galopante enfeitavam-se os céus a seu gosto… ao jeito do seu coração… iluminada por um sol inexistente não arredava pé do vácuo areeiro…
Cimentando a esperança do regresso… e o sonho tardava, molhado pelo sal de mais uma gota. Cheia de esperança abraçava o mar, fitando o horizonte, buscando a vela de mais um trágico naufrágio de inverno…